sábado, 27 de novembro de 2010

Diário de uma amiga apaixonada...

Sabe... no fundo é bom ver ele triste desse jeito. Porque eu tenho esperanças de que desta vez ele vai olhar para o lado e perceber quem sempre esteve ali. Vai perceber que não valeu a pena correr atrás da princesa; não que eu seja um sapo. Estou mais para a fiel escudeira, a amiga responsável, mas para ele nunca a amiga apaixonada.
E eu sei que nada além dos abraços amistosos vai acontecer, porque temos uma barreira. A barreira da rotina, a barreira do costume. E essa barreira só se quebrou pra mim, e quebrou também o meu coração.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Julieta pós-moderna




Ela acorda apressada, afinal, já passa das sete. Arma-se: pega o celular, o laptop, confere a agenda do dia em seu palm. Depois de beber um gole rápido de café, dá as coordenadas para a empregada, que ficará no comando do QG doméstico durante o dia e sai, marcando passos decididos do alto de seu salto sete. Sabe-se lá a que horas voltará para casa hoje...

Terceirização dos afazeres domésticos: este maravilhoso fenômeno da contemporaneidade feminina possibilitou que nós, mulheres, descobríssemos que há vida fora de casa. Mergulhamos de cabeça no mundo, mas, hoje, percebemos que não levamos bote salva-vidas!

Levantamos nossos sutiãs em praça pública, hasteando a bandeira simbólica da luta contra as amarras da sociedade capitalista, contra os preconceitos pequeno-burgueses machistas, contra qualquer lei que impusesse limites à liberdade de nossos seios. Achávamos que éramos libertárias, outsiders. Mas, literalmente, no bojo pré-moldado desta revolução, não conseguimos vencer a Lei da Gravidade e, como conseqüência, vivemos hoje a ditadura dos seios fartos, simulacros de silicone e andamos presas, em armaduras-sutiã com aros, espumas, enchimentos a óleo e água...Tudo, para reforçar a imagem do air-bag duplo.

Ah!, a imagem...Contra os milhares de radicais livres que andam soltos por aí, vestimos nossas poderosas máscaras cosméticas e tentamos dizimar com golpes cientificamente calculados, utilizando poderosos ácidos, toda e qualquer ruga que ouse surgir em nossa pele. É o arsenal bélico da guerra química da mulher pós-moderna, que se torna cada dia mais sofisticado — em vão — pois nós, guerreiras da imagem, mesmo empunhamos nossas poderosas armas, também não conseguimos vencer a luta contra o temível “Senhor da Razão”.

Declaramos guerra contra as gordurinhas localizadas, utilizamos instrumentos de tortura em nós mesmas, dando choques elétricos nos malditos lipídios que tentam se instalar em nossas curvas. Malhamos horas e horas nas academias porque queremos aparecer para o mundo com nossos corpos perfeitos. Mas ficamos revoltadas quando os homens nos chamam de gostosas, porque queremos que eles vejam que somos inteligentes!

Não há dúvidas de que conseguimos conquistar nosso espaço, em várias esferas da vida social. Nós votamos, estamos no planalto, na indústria, nas empresas, na mídia, temos até uma Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, que luta e articula em nosso favor no terrível mundo masculino da política.

No trabalho, conseguimos ocupar cargos de decisão. Galgamos nosso lugar e chegamos ao Everest do mundo corporativo. E, entre um telefonema e outro do dia-a-dia corporativo, damos ordens aos nossos subordinados e às nossas empregadas que ficaram em casa, corrigimos a lição de casa de nossos filhos, fazemos listas de supermercado pela internet e pensamos no cardápio do jantar, numa rotina quase esquizofrênica, que mostra que ainda não conseguimos solucionar o binômio dialético mãe-mulher de negócios.

Somos independentes, sim, ganhamos nosso próprio dinheiro, investimos na bolsa, fazemos aplicações, temos orgulho de planejar nossa vida material, de conseguir estabilidade à nossa própria custa, mas ainda nos sentimos ofendidas se temos que dividir a conta de um simples jantar com um homem. Somos independentes, sim, mas ainda sonhamos com um amor shakesperiano, uma família hollywoodiana e um príncipe encantado que nos proteja dos males do mundo e abra os vidros de azeitonas para nós.

Rechaçamos as mulheres que, por opção, escolheram ser donas-de-casa, cultivar o lar e ver seus filhos crescerem ao invés de acompanhar as ações da bolsa subirem.

Embora nunca teremos coragem de admitir os bastidores de nossos sentimentos a quem quer que seja, somos machistas, sim! Somos sempre as pobres vítimas nas mãos desses inescrupulosos seres masculinos. Dizemos que os homens são todos iguais e somos incapazes de nos desarmar de nossos preconceitos feministas e sexistas para conviver harmonicamente, que seja, com as diferenças – que existem – entre nós e eles. Achamos, isso sim, que eles têm obrigação de nos entender...como se fosse tarefa fácil!

Não se trata de defender o masculino nem o feminino. Trata-se de ampliar nossa visão para o mundo e enxergar além da imagem refletida em nosso espelho. Ó espelho, espelho meu, se não conseguimos nem aceitar a diferença entre o masculino e o feminino, como saberemos qual é o nosso papel neste novo mundo da diversidade, mosaico e plural?

Apesar de todas as nossas conquistas que, como não nego, foram vitórias importantes ao longo da história da humanidade, ainda faltam muitos obstáculos — colocados por nós mesmas — a serem vencidos para chegarmos a ser “Mulheres Nota 1000”.

No fundo, somos todas Julietas pós-modernas. Mudaram as ambiências, vivemos num mundo mais complexo, mudaram as circunstâncias, mas nossa luta ainda é medieval: não nos libertamos dos nossos cintos de castidade...

Vivemos em um novo tempo e num novo espaço. Temos acertar nosso fuso-horário com o mundo e descobrir nosso lugar e nosso papel neste universo cibernético. Ainda temos muito, muito a aprender...

Julietas do mundo, uni-vos! A luta continua...

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Texto de Luciana Mello .